domingo, 7 de junho de 2009

Uma Coisa Chamada Berlusconi - Por José Saramago, escritor português e Prêmio Nobel de Literatura em 1998

Nota: O artigo abaixo foi publicado na edição de 06/06/09 do jornal espanhol "El País", após a divulgação naquele periódico em 04/06/09, de matéria onde aparecem fotos de homens e mulheres nuas na mansão do primeiro-ministro Italiano Silvio berlusconi, 72a, em Villa Certosa na ilha da Sardenha, Itália, durante um fim de semana para políticos da República Checa, inclusive seu ex-primeiro-ministro Mirek Topolánek.

Leitor observa a edição do jornal El Pais, em Madri

As imagens ampliadas e feitas por um paparazzi em 2008 e que foram disponibilizadas no site do jornal, deixam de ser mostradas aqui por ter Copyright. As fotos foram proibidas na Itália e o jornal ameaçado de processo pelo Primeiro-Ministro Italiano.

O escândalo surge poucos dias depois que a esposa do político e bilionário italiano, Veronica Lario, ter pedido divórcio alegando que não poderia conviver com um homem que se relaciona com menores de idade e que desencadeou o chamado "Noemigate", protagonizado pelo suposto relacionamento do político com a jovem napolitana Noemi Letizia.

Uma Coisa Chamada Berlusconi
Por José Saramago, em artigo publicado no jornal El País em 06/06/09.

Não vejo que outro nome poderia lhe dar. Algo perigosamente parecido com um ser humano, uma coisa que promove festas, organiza orgias e governa um país chamado Itália. Esta coisa, esta doença, este vírus que ameaça ser a causa da morte moral do país de Verdi, se um vômito profundo não conseguir arrancá-lo da consciência dos italianos, antes que o veneno acabe corroendo as veias e destroçando o coração de uma das mais ricas culturas européias.

Os valores básicos da convivência humana são pisoteados todos os dias pelas patas viscosas da coisa Berlusconi que, entre seus muitos talentos, tem uma habilidade funambulesca para abusar das palavras, pervertendo-as na intenção e no sentido, como no caso do "Polo da Liberdade", que é como é conhecido o partido com que se apoderou do poder. Chamei-o de delinquente e não me arrependo. Por razões de natureza semântica e sociais que outros poderão explicar melhor do que eu, o termo delinquente tem na Itália uma carga negativa muito mais forte do que em qualquer outra língua falada na Europa.

Para traduzir de forma clara e contundente o que eu penso da coisa Berlusconi utilizo o termo no sentido que o idioma de Dante vem dando habitualmente, apesar de que seja mais do que duvidoso que Dante o tenha usado alguma vez. Delinquência em meu português, significa, segundo os dicionários e práticas corrente de comunicação, o "ato de cometer crimes, desobedecer leis ou padrões morais". A definição assenta na coisa Berlusconi sem uma ruga ou vinco, até o ponto de parecer mais como uma segunda pele, do que a roupa que é vestida. Durante anos a coisa Berlusconi vem cometendo delitos variados, apesar da sempre demonstrada gravidade.

Para culminar, não é que ele somente desobedeça as leis, mas, pior ainda, determina que outras mais sejam elaboradas e aprovadas para salvaguardar os seus interesses públicos e privados, como político, empresário e acompanhante de menores de idade, e quanto aos seus padrões morais, nem vale a pena falar. Não há quem não saiba na Itália e no mundo que a coisa Berlusconi há muito tempo caiu na mais completa abjeção.

Este é o Primeiro-Ministro italiano, esta é a coisa que o povo italiano por duas vezes elegeu para servir como um modelo, este é o caminho para a ruína que por arrastamento, estão sendo levados os valores de liberdade e de dignidade que impregnaram a música de Verdi e a ação política de Garibaldi, aqueles que fizeram da Itália do século XIX, durante a luta pela unificação, um guia espiritual para a Europa e para os europeus. Isto é o que a coisa Berlusconi quer lançar na lata de lixo da história. Será que os italianos permitirão que isso continue?

Traduzido de: http://www.elpais.com/articulo/internacional/cosa/Berlusconi/elppgl/20090606elpepuint_16/Tes

Foto - Google Images

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